Zaine Diniz: conheça a trajetória da atriz que é uma das precursoras do teatro rondoniense

Zaine Diniz: conheça a trajetória da atriz que é uma das precursoras do teatro rondoniense

A atriz Zaine Diniz é uma das precursoras do teatro rondoniense. Divertida, determinada e cheia de histórias curiosas do mundo cênico, ela concedeu uma entrevista para a Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco, onde contou um pouco da sua trajetória profissional.

Aos 54 anos, a artista sempre esteve à frente do seu tempo. Ela foi uma das primeiras de Rondônia a levar para o palco o sofrimento das mulheres, principalmente de ribeirinhas.

A realidade retratada no palco foi tão forte que um dos espetáculos mais marcantes da sua carreira, o Mulheres do Aluá, percorreu teatros de norte a sul do Brasil.

Nascida em uma família de músicos na cidade de Fátima do Sul (MS), em 1967, Zaine chegou a Rondônia quando estava com seus 25 anos e inicialmente trabalhou como professora de pedagogia.

Sua primeira apresentação no teatro aconteceu em Cacoal e não foi uma vontade que surgiu do dia para a noite. Desde criança Zaine já se imaginava em cima dos palcos, de onde não se imagina descendo.

Confira a entrevista:

Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco: Como e quando iniciou a carreira de atriz? O que a motivou a ser artista ?

Zaine: Eu comecei a experimentar o teatro em 1989, quando eu vim para Rondônia, pois meu pai morava em Cacoal. Eu sou de Mato Grosso do Sul e havia acabado de começar a minha graduação, aí uma amiga me convidou para fazer umas oficinas, no grupo “Essência das Coisas”. Essa foi minha primeira experiência com o teatro. O primeiro espetáculo que acompanhei em Cacoal foi “A Escada do Sucesso” e, quando assisti ele, me vi em cena. Daí fui fazendo oficinas e não parei mais. Em seis meses eu já estava no elenco deste espetáculo “A Escada do Sucesso”, ou seja, no mesmo grupo que eu me vi ao reconhecer os personagens.

Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco: O espetáculo ‘As Mulheres do Aluá’ é um dos seus trabalhos considerados referência no teatro, e chegou a virar até estudo de caso em universidades. A cada apresentação do grupo era nítido que o público se identificava, se sentia próximo da história. Por que você acha que isso aconteceu?

Zaine: Esse foi segundo espetáculo que eu fiz já com essa temática sobre gênero, sobre violência contra as mulheres. Ele teve uma grande repercussão, o primeiro foi Filhas da Mata, que falava sobre a solidão das mulheres ribeirinhas. O espetáculo “As Mulheres do Aluá” (que circulou em 2018 pelo Palco Giratório e antes pela Petrobrás) é um espetáculo muito forte, com uma temática muito gritante, mas necessária. Ele fala sobre mulheres, sobre violência, sobre o pensamento homem, sobre memórias. O espetáculo narra histórias de mulheres que foram julgadas, condenadas em processos judiciais no início do século – no período da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Histórias de tanto tempo atrás, mas que se reverberam até hoje. Talvez por isso, por onde a gente apresentou, sempre teve uma ligação muito forte com o público. Pessoas se emocionavam, se reconheciam. Porque as histórias das violências não são tão diferentes entre as mulheres, independente de qualquer região. Foi o que a gente pôde observar enquanto o espetáculo circulava. Já chegamos a ficar conversando duas horas com mulheres após encerrarmos a apresentação. Foi um espetáculo que provocou e incomodou bastante. Teve situações que homens se retiravam do auditório no meio da peça. Até nesse gesto a gente via que o espetáculo cumpria a função da qual ele servia, que era dar um soco no estômago do pensamento homem.

Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco: Além de “As Mulheres do Aluá”, quais outros trabalhos te marcaram?

Zaine: “Filhas da Mata”, o primeiro que a gente conseguiu uma circulação nacional e era um espetáculo muito forte. Me exigiu muito como atriz, do desconforto, do equilíbrio, do emocional, da preparação física. Como a água gelada caindo na cabeça em palcos do Rio Grande do Sul durante o frio, por exemplo. Mas tenho outros também. Já em Porto Velho, fazendo musical, fiz o “Saltimbancos” e o espetáculo “A Formiga Fofoqueira”. Depois com os primeiros editais do Myrian Muniz, eu participei de “Avoar”. Foi um marco pra mim, um espetáculo que teve uma repercussão muito boa. E além desses, quero deixar registrado “As Sombras de Lier”, uma transcrição da obra do Lier. Eu fiz o próprio Lier da Amazônia e montamos o espetáculo em 30 dias. Foi um mergulho. Todo o processo reverbera até hoje na minha atuação cênica. Teve ainda “A Borracheira”, o último espetáculo que fizemos em 2019. 

Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco: Quais atrizes mais te inspiraram no começo da carreira?

Zaine: Quando eu comecei tive a oportunidade de assistir um espetáculo da Cia Vitória Régia. Koia Refkalefsky hoje é uma grande amiga, maravilhosa, plena, cheia de emoção, de técnica, de atitude e um grande ser humano. Ela é uma grande inspiração pra mim. E também Fernanda Montenegro, claro, não tem como…É a nossa grande mestra.

Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco: Que tipo de projeto teatral mais lhe inspira? E qual personagem você ainda quer interpretar?

Zaine: Os projetos que me encantam são os que têm uma verdade, digamos assim: uma pesquisa, trabalho sério. Não drama, pode ser uma comédia também, mas que me toca, que me faz pensar, refletir e me divirta também. Eu gosto de fazer com gosto, digamos assim [risos]. E tem que me desafiar também, é interessante isso pra mim como atriz. Não gosto de estar fazendo sempre a mesma coisa. Amo experimentar novas vivências e tem muitos personagens que eu ainda quero fazer.

Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco: Quais outros trabalhos que você já apresentou no teatro aqui em Rondônia?

Zaine: “O Mistério do fundo do pote”, “O Iroclube”, “Avoar” ( com o grupo raízes do Porto), “A formiga fofoqueira”, “Minhoca na cabeça” (um musical infantil), “A cidade nos consome”, entre outros.

Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco: Já participou de algum curta-metragem ou longa? Como foi a experiência?

Zaine: Não tive essa experiência ainda de curta ou longa. Na área do audiovisual fiz alguns comerciais em Porto Velho, mas realmente eu não tive esse desejo, de investir em comercial de TV. Eu sempre gostei mesmo do palco do teatro. As campanhas eu fiz porque apareceu oportunidade, eu quis aproveitar, mas não foi uma coisa que me agradou muito não. Eu continuo fiel ao palco. Agora cinema, quem sabe. Não é descartado não.

Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco: Antes do ‘Imaginário’, quais os outros grupos teatrais que você já participou?

Zaine: Comecei com a “Essência das Coisas”, lá em Cacoal. Quando vim pra Porto Velho, em 2004, eu comecei a trabalhar com Raízes do Porto, da Sueli Rodrigues. E a partir de 2009 eu atuava no  Imaginário e no Raízes do Porto, mas com a demanda de trabalho e tudo, eu fiquei só com o Imaginário, até porque é um projeto familiar, digamos assim. Pra quem não sabe eu sou casada com o Chicão Santos, um dos fundadores do grupo. A gente construiu o Imaginário pra gente estar desenvolvendo as nossas práticas.

Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco: Você falou uma vez que o espetáculo ‘Ponto de Fuga, As Sombras de Lear’ foi o que te levou a investigar mais sobre os problemas da mulher na sociedade. Do que a peça tratava e o que aconteceu especificamente nela para despertar esse estudo da causa feminina em Rondônia ?

Zaine: Foi uma performance que nós investigamos e virou um espetáculo. Depois foi complementado e daí surgiu “Filhas da Mata”, a partir do “Ponto de fuga”, que tratava muito da solidão das mulheres ribeirinhas. Me tocou muito com histórias verídicas nessa pesquisa de campo que a gente fez e foi um trabalho que reverberou muito, pois tratava do nosso quintal. Nós enquanto grupo, eu enquanto atriz, nós percebemos que falar da nossa história, do nosso quintal, do nosso vizinho, trazia uma verdade muito maior e um compromisso em querer levantar essas histórias. Em querer retratar esse cenário de mulheres que vieram antes da gente e passaram por tantas dificuldades.

Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco: Qual foi a maior dificuldade até hoje enfrentada na carreira de atriz em Rondônia?

Zaine: A maior dificuldade, em âmbito geral, acredito que ainda seja uma política pública voltada para cultura, que seja efetiva, permanente e não emergencial. Editais permanentes, tanto no município quanto no estado, não só federal.

Revista Cultural Digital da Coxia ao Palco: Hoje você é considerada inspiração para quem está iniciando a carreira de atriz. Que conselho você dá para quem tá começando no teatro? Visto que devido à pandemia, a maneira de trabalhar com teatro provavelmente nunca mais será a mesma.

Zaine: Primeiro a gente tem que ter prazer em tudo que faz. Trabalho e profissão são escolhas. Se você escolher fazer teatro, estude, leia e não desista. Seja forte e persistente. Fácil não é, mas se fosse fácil todo mundo fazia. Ser artista é pra quem quiser ser. Antes da pandemia tínhamos os palcos, as praças, as ruas, qualquer espaço poderia ser de teatro. E agora nós temos um a mais, que é a web, onde de repente a gente alcançou muito mais gente do que quando estávamos presenciais.

Texto: Redação

Fotos: Divulgação

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